Crise da democracia e políticas anti-imigração no Brasil: Um olhar sobre o período de pandemia (2020-2021)
Teoria & Pesquisa: Revista de Ciência Política, São Carlos, v. 32, n. 00, e023020, 2023. e-ISSN: 2236-0107
DOI: https://doi.org/10.14244/tp.v32i00.876 10
do comum, da partilha, de um espaço em que diferentes sujeitos existem e são pensados como
conjunto para a provisão de bens públicos e direitos (BROWN, 2015; 2019).
A igualdade, para ela, é fundamental para assegurar que o exercício do poder seja
autorizado, mas também seja de responsabilidade de todos. Quando ausente a igualdade, o povo
(ou o demos) deixa de governar, a soberania popular não se faz presente e a própria democracia
é enfraquecida. Em uma abordagem neomarxista, Brown (2019) defende ser possível observar,
em inúmeros países, o reforço de discursos de ódio, de manifestações públicas de racismo e
antissemitismo, além de um aumento de retóricas excludentes e nacionalistas. Esse cenário e a
ascensão de líderes de extrema-direita trouxeram para a teoria política, segundo a autora,
desafios quanto a sua nomenclatura e compreensão. Para ela, contudo, a interpretação desses
fenômenos demanda uma atenção a racionalidades como a neoliberal, na qual “o governo se
transmuta em governança e gestão” (BROWN, 2015, p. 20)
Wendy Brown compreende o neoliberalismo como uma racionalidade, cujos impactos
estão para além do âmbito econômico, fortalecendo processos de desdemocratização. Para a
autora, a governamentalidade neoliberal atua - nos mais variados campos da vida social - por
meio de uma demonização do social e do político, de um descrédito do valor do Estado, bem
como por um ataque à igualdade combinado a uma defesa de moralidades tradicionais
(BROWN, 2019). Os processos de crise ou enfraquecimento da democracia, portanto, devem
levar em conta, na visão de Brown, como essa racionalidade teve um papel importante para
construir as bases para que forças antidemocráticas se fortalecessem na segunda década do
século XXI, em um processo que alimentou racismos, ressentimentos de classe, violências e
desigualdades. Discursos e práticas excludentes, nesse contexto, são voltados, na maior parte
das vezes, para indivíduos e grupos marginalizados, como as mulheres, a população negra,
LGBTQIA+ e comunidades migrantes e refugiadas. Por meio da negação a toda e qualquer
intervenção estatal (no mercado, na moral ou na família), o objetivo, segundo Brown (2019, p.
24) é negar a ideia do social, “restringindo radicalmente o alcance do poder político
democrático nos Estados-nação”.
Esses ataques à democracia e à própria noção de demos estão presentes nos ambientes
de trabalho, em lógicas educacionais, em discursos e em ações estatais, além de representarem,
também, uma perda do sentido do político e da cidadania. E para além de dimensões epistêmicas
e éticas, esse ataque ao pluralismo, à ideia de social e à noção de demos tem impactos práticos
na vida de muitas pessoas, principalmente por meio do desmonte de políticas públicas, por
discursos estigmatizantes e pelo reforço de desigualdades. O enfraquecimento da democracia,