GUERRAS HÍBRIDAS, LAWFARE Y EL PAISAJE POLÍTICO BRASILEÑO: UN ANÁLISIS DE LAS MANIFESTACIONES DE JUNIO DE 2013 AL GOBIERNO DE JAIR BOLSONARO
HYBRID WARS, LAWFARE, AND THE BRAZILIAN POLITICAL LANDSCAPE: AN ANALYSIS OF THE DEMONSTRATIONS IN JUNE 2013 TO THE GOVERNMENT OF JAIR BOLSONARO
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VIEGAS, D.; DELLA VECHIA, R. S.; NUNES, T. G. Guerras híbridas, lawfare e o panorama político brasileiro: uma análise das manifestações de junho de 2013 ao governo de Jair Bolsonaro. Teoria & Pesquisa: Revista de Ciência Política, São Carlos, v. 33, n. 00, e024010, 2024. e-ISSN: 2236-0107. DOI: https://doi.org/10.14244/tp.v33i00.1088 | |
| Submetido em: 22/12/2023 | Revisões requeridas em: 27/02/2024 | Aprovado em: 12/09/2024 | Publicado em: 11/12/2024 |
Editora: | Profa. Dra. Simone Diniz |
Editor Adjunto Executivo: | Prof. Dr. José Anderson Santos Cruz |
1 Doutorando em Política Social e Direitos Humanos pela Universidade Católica de Pelotas (UCPEL). Mestre em Política Social e Direitos Humanos pela Universidade Católica de Pelotas (UCPEL); Bolsista Capes-PROSUC.
2 Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor do Programa de Pós-Graduação em Política Social e Direitos Humanos da Universidade Católica de Pelotas (UCPEL).
3 Doutor em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor do Programa de Pós-
Graduação em Política Social e Direitos Humanos da Universidade Católica de Pelotas (UCPEL).
Guerras híbridas, lawfare e o panorama político brasileiro: uma análise das manifestações de junho de 2013 ao governo de Jair Bolsonaro
RESUMO: No cenário geopolítico contemporâneo, as guerras indiretas surgem como estratégias eficazes para atores estatais e não estatais atingirem seus objetivos políticos e militares, minimizando os riscos e custos associados a conflitos diretos. As “guerras híbridas” e o “lawfare” emergem como formas inovadoras de enfrentamento global, moldando a paisagem geopolítica com nuances e complexidades únicas. Questiona-se se as categorias teórico-analíticas em destaque podem contribuir para a compreensão histórica e dinâmica das manifestações de 2013 e da ascensão da extrema-direita no Brasil. Trata-se de um estudo qualitativo de natureza exploratória que analisa os eventos do cenário brasileiro com análise bibliográfica e documental. Conclui-se que as teorias em destaque são frutíferas para analisar eventos marcantes, como as manifestações de junho de 2013, o impeachment de Dilma Rousseff e a ascensão da ultradireita durante o governo de Jair Bolsonaro, ficando evidente a utilização destas estratégias no cenário político brasileiro.
RESUMEN: En el escenario geopolítico contemporáneo, las guerras indirectas emergen como estrategias efectivas para que los actores estatales y no estatales logren sus objetivos políticos y militares, minimizando los riesgos y costos asociados con los conflictos directos. Las "guerras híbridas" y la "guerra legal" surgen como formas innovadoras de confrontación global, dando forma al panorama geopolítico con matices y complejidades únicos. La pregunta es si las categorías teórico-analíticas destacadas pueden contribuir a la comprensión histórica y dinámica de las manifestaciones de 2013 y el ascenso de la extrema derecha en Brasil. Se trata de un estudio cualitativo de carácter exploratorio que analiza acontecimientos en el escenario brasileño con análisis bibliográfico y documental. Se concluye que las teorías destacadas son fructíferas para analizar acontecimientos históricos, como las manifestaciones de junio de 2013, el impeachment de Dilma Rousseff y el ascenso de la ultraderecha durante el gobierno de Jair Bolsonaro, haciendo uso de estas estrategias en la Escenario político brasileño evidente.
PALABRAS CLAVE: Guerra Judicial. Guerras híbridas. Conservadurismo.
ABSTRACT: In the contemporary geopolitical scenario, indirect wars emerge as effective strategies for state and non-state actors to achieve their political and military objectives, minimizing the risks and costs associated with direct conflicts. "Hybrid wars" and "lawfare" emerge as innovative forms of global confrontation, shaping the geopolitical landscape with unique nuances and complexities. The question is whether the highlighted theoretical- analytical categories can contribute to the historical and dynamic understanding of the 2013 demonstrations and the rise of the extreme right in Brazil. This is a qualitative study of an exploratory nature that analyzes events in the Brazilian scenario with bibliographic and documentary analysis. It is concluded that the highlighted theories are fruitful for analyzing landmark events, such as the demonstrations of June 2013, the impeachment of Dilma Rousseff, and the rise of the ultra-right during the government of Jair Bolsonaro, making the use of these strategies in the Brazilian political scenario evident.
KEYWORDS: Lawfare. Hybrid Wars. Conservatism.
Diego VIEGAS, Renato da Silva Della VECHIA e Tiago de Garcia NUNES
As manifestações de junho de 2013 no Brasil marcaram um ponto de virada na política nacional. Esses protestos desencadearam uma série de eventos políticos, incluindo o impeachment de Dilma Rousseff e a subsequente ascensão da ultradireita ao poder, representada pelo governo de Jair Bolsonaro. Este artigo argumenta que a aplicação das teorias das guerras híbridas e do lawfare pode fornecer insights valiosos para compreender o contexto político atual no Brasil e suas implicações geopolíticas.
No cenário geopolítico contemporâneo, as guerras indiretas surgem como estratégias eficazes para atores estatais e não estatais atingirem seus objetivos políticos e militares, minimizando os riscos e custos associados a conflitos diretos. As "guerras híbridas" e o "lawfare" emergem como formas inovadoras de enfrentamento global, moldando a paisagem geopolítica com nuances e complexidades únicas.
Trata-se de um estudo qualitativo de natureza exploratória que analisa as manifestações de junho de 2013 a partir das categorias teóricas do Lawfare e das Guerras Híbridas. Pesquisa com análise bibliográfica e documental, utilizando materiais publicados na mídia brasileira. Questiona-se se as categorias teórico-analíticas em destaque podem contribuir para a compreensão histórica e dinâmica das manifestações de 2013. Orienta-se epistemologicamente pela matriz crítico-dialética a fim de apontar e compreender o fenômeno em destaque, assim como suas repercussões sociopolíticas.
Este estudo dedica seu primeiro momento à exploração dos conceitos fundamentais, mecanismos intrínsecos e vantagens das guerras indiretas, destacando como essas estratégias têm moldado a geopolítica contemporânea. O capítulo inicial aborda as guerras híbridas, que representam uma evolução das estratégias militares tradicionais, combinando táticas convencionais e não convencionais para alcançar objetivos geopolíticos. Em sequência, o segundo capítulo analisa a “lawfare”, que utiliza o sistema legal como uma ferramenta política. Em segundo momento, o estudo se volta para a análise de exemplos concretos da aplicação dessas estratégias no contexto brasileiro. Inicialmente, são abordadas as manifestações de julho de 2013, destacando a notável capacidade de mobilização das redes sociais e da sociedade civil em larga escala. Em seguida, o foco recai sobre o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, suscitando preocupações quanto ao uso do “lawfare”. Por fim, será discutida a ascensão da ultradireita no Brasil, ilustrada pela eleição e governo de Jair Bolsonaro,
que representou uma mudança significativa na geopolítica nacional.
Guerras híbridas, lawfare e o panorama político brasileiro: uma análise das manifestações de junho de 2013 ao governo de Jair Bolsonaro
Esses eventos ilustram a maneira como as guerras híbridas e o “lawfare” podem ser empregados para influenciar o cenário político, delineando os desafios impostos à democracia e ao Estado de Direito.
A guerra híbrida é uma estratégia militar contemporânea que combina táticas convencionais e não convencionais, incluindo operações políticas, econômicas, cibernéticas e guerra tradicional. Esta abordagem emergiu notavelmente durante as crises na Síria (2011) e na Ucrânia (2013), onde os Estados Unidos adotaram uma estratégia que envolvia múltiplas etapas.
A primeira consiste na implantação de uma “revolução colorida” como uma forma de golpe brando, que utiliza protestos não violentos, desobediência civil e campanhas de mídia social para minar a legitimidade de um governo existente. Na sequência, em geral, são implementados “golpes parlamentares” e/ou jurídicos que desconstituem governos legítimos com uma aparência de legalidade (Lugo no Paraguai, Dilma no Brasil, etc.). Se essa fase inicial não for bem-sucedida, segue-se uma segunda etapa, conhecida como “golpe rígido”, que pode incluir o uso de força militar convencional para atingir os objetivos desejados. No entanto, se o golpe rígido não alcançar sucesso, entra em cena a terceira etapa, chamada de “guerra não convencional”. Nesta fase, forças não convencionais, como grupos armados não oficiais, engajam-se em combates assimétricos contra um adversário tradicional. Essa sequência de etapas descrita revela uma nova abordagem padronizada com vistas à troca de governo, conforme observado por Andrew Korybko (2018), quando ele afirma:
Percebe-se uma nova abordagem padronizada com vistas à troca de regime. Esse modelo inicia-se com a implantação de uma revolução colorida como tentativa de golpe brando, que é logo seguida por um golpe rígido, por intermédio de uma guerra não convencional, se o primeiro fracassar (Korybko, 2018, p. 15).
A fusão dessas etapas, ou seja, a combinação da revolução colorida e da guerra não convencional, forma o conceito de guerra híbrida. Essa abordagem representa uma evolução das estratégias militares, permitindo que atores estatais ou não estatais alcancem objetivos geopolíticos de maneira mais sutil e adaptável, sem necessariamente recorrer à guerra convencional. Neste sentido, oportuno consignar a análise desenvolvida por Korybko (2018) no que tange às vantagens e motivos que ensejam o uso da tática da guerra indireta:
Diego VIEGAS, Renato da Silva Della VECHIA e Tiago de Garcia NUNES
[...] a guerra indireta é uma das formas mais eficazes de combater um inimigo. Ela permite que um oponente derrote o adversário sem enfrentá-lo diretamente, economizando assim os recursos que seriam despendidos em um confronto direto. Atacar um inimigo indiretamente também pode atrasá-lo e colocá-lo na defensiva, deixando-o assim vulnerável a outras formas de ataque. A guerra indireta também impõe certo custo de oportunidade ao lado defensor, visto que o tempo e os recursos que ele acaba tendo que empreender para lidar com o ataque indireto poderiam, não fosse o caso, ser melhor utilizados em outras áreas. Além das vantagens táticas, há também as estratégicas. Pode ser que existem certas restrições (por exemplo, alianças, paridade militar etc.) que impeçam uma parte de lançar hostilidades diretamente contra a outra. Neste caso, a guerra indireta é a única opção para desestabilizar o adversário. Nos dias de hoje, as armas de destruição em massa e um mundo multipolar emergente impõem limites ao confronto direto entre grandes potências. Embora os EUA ainda detenham as Forças Armadas convencionais mais poderosas do mundo, a paridade nuclear que compartilham com a Rússia serve de lembrete de que a unipolaridade tem seus limites. Além disso, o sistema internacional vem se transformando de tal modo que os custos políticos e físicos para bancar uma guerra convencional contra certos países (isto é, a China e o Irã) estão se tornando um grande fardo para os tomadores de decisão dos EUA, tornando, assim, essa opção militar menos atrativa (Korybko, 2018, p. 13-14).
Com efeito, as guerras híbridas, enquanto estratégia de ingerência indireta de um Estado sobre outro, constitui-se em uma resposta aos desafios modernos da segurança global e das relações internacionais, onde o uso da força militar direta nem sempre é a opção mais viável ou eficaz.
As Revoluções Coloridas, identificadas como a primeira etapa para as guerras híbridas, são um fenômeno político contemporâneo que ganhou destaque nas últimas décadas, caracterizado por movimentos populares que buscam mudanças de regime em seus países de origem. No centro desses movimentos, um aspecto crucial é a influência externa, que inclui financiamento, promoção de interesses estrangeiros e uma ampla gama de estratégias para moldar a política de nações soberanas.
Uma das características mais marcantes das Revoluções Coloridas é a sua natureza não violenta. Em vez de recorrer à violência armada, esses movimentos se baseiam na desobediência civil, protestos pacíficos e outras formas de resistência não violenta. No entanto, por trás desse aparente pacifismo, muitas vezes há influência externa substancial, daí decorrendo outra característica das revoluções coloridas, qual seja, “o governo que ascende da troca de regime possui caráter neoliberal” (Mendes De Souza, 2018).
Guerras híbridas, lawfare e o panorama político brasileiro: uma análise das manifestações de junho de 2013 ao governo de Jair Bolsonaro
Essas revoluções frequentemente contam com o financiamento de atores externos, como governos, organizações não governamentais e fundações. O apoio financeiro é direcionado para a organização de protestos, campanhas de mídia e treinamento de ativistas. Esse financiamento é muitas vezes dissimulado e pode ser canalizado através de redes complexas para evitar a detecção.
Além do financiamento, a influência externa também se manifesta na promoção de interesses estrangeiros. Mensagens e narrativas são disseminadas para minar a autoridade do governo-alvo, frequentemente retratando-o como repressivo e ilegítimo. Isso é feito através de canais de mídia, redes sociais e outras plataformas de comunicação.
Com efeito, o papel da propaganda dentro das revoluções coloridas é fundamental como bem destacado por Korybko:
As relações públicas são em grande parte uma fusão dos princípios da publicidade e da projeção à população em massa, ambos os quais figuram proeminentemente na comunicação da mensagem de uma revolução colorida, permitindo concluir que a propaganda exerceu importante influência nas revoluções coloridas (Korybko, 2018, p. 48).
Essa propaganda se utiliza de recursos psicológicos e das vantagens das tecnologias de comunicação instantânea para formar opinião junto a população contra um governo alvo:
Essa é justamente a base das revoluções coloridas. A psicologia de um grupo geral e específico (no contexto da civilização/cultura alvo) é estudada para tirar melhor proveito dos métodos para difundir mensagens contra o governo. [...] Mais uma vez, é justamente esse o caso nas revoluções coloridas. Elas reúnem física e virtualmente porções distintas da população que compartilham (ou são trabalhadas para compartilhar) as mesmas ideias contra o governo, e isso ajuda a organizar a mente de grupo e simplificar o pensamento em massa da sociedade durante o início de uma tentativa de golpe por revolução colorida (Korybko, 2018, p. 48-49).
O objetivo central da campanha de informação consiste em fazer com que o alvo incorpore as ideias que lhe são apresentadas, criando a ilusão de que as conclusões induzidas externamente são, na verdade, fruto de uma reflexão autônoma por parte dos manifestantes.
As estratégias de operacionalização das Revoluções Coloridas incluem a coordenação de atividades por atores externos. Treinadores e estrategistas estrangeiros frequentemente trabalham em estreita colaboração com ativistas locais para desenvolver estratégias de resistência. Isso pode envolver o uso de tecnologia da informação avançada, táticas de mobilização em massa e estratégias de comunicação eficazes.
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A influência externa também se manifesta na formação de coalizões internacionais de apoio aos movimentos de revolução colorida. Essas coalizões incluem países, organizações não governamentais e agências internacionais que compartilham interesses comuns na mudança de regime em um determinado país. Eles fornecem apoio diplomático, recursos financeiros e orientação estratégica.
Cumpre destacar que essa influência segue uma estratégia organizada. Começa com a decisão externa de derrubar um governo desfavorável. Organizações, como, por exemplo, a CIA e o Pentágono, elaboram métodos e se conectam a grupos ativos e instituições externas, como think tanks4. Eles estudam a sociedade do país-alvo, infiltrando-se com agentes reais ou contatos virtuais. O objetivo é ampliar redes sociais para impulsionar o movimento golpista e alcançar objetivos geopolíticos. Em suma, os interesses externos usam uma abordagem híbrida para influenciar e manipular as dinâmicas sociais e políticas de um país-alvo em busca de mudanças de regime.(Korybko, 2018).
Como denotado, as Revoluções Coloridas são um fenômeno político altamente influenciado por atores externos que buscam promover seus próprios interesses políticos e estratégicos. O financiamento, a promoção de narrativas, a coordenação de atividades e o apoio diplomático são componentes essenciais desses movimentos, que continuam a moldar a paisagem política global. Embora apresentem uma face não violenta, por trás das cenas, muitas vezes estão envolvidos interesses estrangeiros que buscam influenciar a política de nações soberanas em busca de seus objetivos geopolíticos.
A guerra não convencional é um conceito amplo que engloba atividades realizadas para fomentar movimentos de resistência ou insurgência, visando coagir, abalar ou derrubar um governo, ou poder ocupante por meio de forças clandestinas, auxiliares e guerrilheiras em áreas renegadas. Ao contrário de buscar criar as condições para uma revolução, a guerra não convencional se apropria da infraestrutura política, militar e social preexistente, acelerando
4 Um laboratório de ideias, think tank, gabinete estratégico, centro de pensamento ou centro de reflexão, é uma instituição de pesquisa composta por especialistas que realizam investigações e defesas sobre tópicos reflexiva cuja função é a reflexão intelectual sobre assuntos de política social, estratégia política, economia, assuntos militares, de tecnologia e cultura. A maioria dos think tanks são organizações não-governamentais, mas algumas são agências semi-autônomas possuindo laços com o governo, partido políticos, empresas ou militares. (Wikipedia, 2023a). Em geral se constituem em grandes organizações bancadas por segmentos empresariais que servem como lobby junto aos governos e ao mesmo tempo cumprem um papel ideológico de disputa de concepções de mundo.
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ações decisivas em busca de ganhos políticos e interesses nacionais, muitas vezes desenvolvendo-se a partir de uma revolução colorida. Essa forma de guerra abrange uma variedade de táticas não convencionais, como guerrilha, insurreição urbana, sabotagem e terrorismo, envolvendo combatentes não convencionais, operações especiais e ataques indiretos, caracterizando-se pela natureza não linear e caótica, atuando de forma a cumprir objetivos de troca de regime de maneira estratégica e direcionada.
A guerra não convencional se desenvolve de forma ordenada a exemplo das revoluções coloridas, em um primeiro momento há um planejamento para depois se passar a implementá- la. Para planejar uma guerra não convencional, os EUA conduzem estudos de viabilidade, frequentemente colaborando com representantes anti-governo e buscando apoio de países terceiros de forma discreta. A informação desempenha um papel crucial, aumentando a insatisfação com o regime hostil e retratando a resistência como uma alternativa viável. O sucesso da guerra não convencional depende de variáveis como liderança, ideologia, objetivos, ambiente, apoio externo, divisão em fases e timing, além de padrões organizacionais e operacionais, que precisam ser cuidadosamente planejados para garantir o êxito da operação (Korybko, 2018).
Esse tipo de guerra é composta por três estágios, conforme explica Korybko (2018): a fase latente ou incipiente, a guerra de guerrilha e a guerra de movimento. A fase incipiente envolve a preparação psicológica da população e o desenvolvimento de infraestrutura clandestina. A guerra de guerrilha começa após um evento catalisador e visa enfraquecer o governo:
Afirma-se, na verdade, que, para que a guerra não convencional inicie com êxito e recrute o máximo de pessoas possível, “deve haver uma fagulha que desencadeie uma insurreição, tal como um acontecimento catalisador que desperte o apoio popular contra o poder do governo e uma liderança rebelde dinâmica que seja capaz de tirar proveito da situação” (grifo do autor). Essa “fagulha”, como é tão habilmente chamada, é identificada pela teoria da guerra híbrida como uma revolução colorida e, junto com as redes que constroi antes de seu início, cristaliza segmentos estratégicos da população contra as autoridades e aumenta as forças atuando para a troca de regime (Korybko, 2018, p. 87).
Já a guerra de movimento é o estágio final para derrubar o governo. Os revolucionários buscam combinar métodos não convencionais e convencionais, e, se repelidos, retornam à fase de guerra de guerrilha antes de retomar a ofensiva. O sucesso depende da criação de condições iniciais favoráveis e de cuidadoso planejamento.
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A guerra não convencional representa o segundo pilar na teoria da guerra híbrida e surge organicamente a partir de uma revolução colorida, que serve como seu precursor. Ela se desenvolve a partir da rede de indivíduos interconectados estabelecida durante a revolução colorida. Esse estágio subsequente da guerra não convencional é mais letal e tem como objetivo a troca de regime, sendo uma extensão da revolução colorida (Korybko, 2018).
Uma outra estratégia de influência indireta de grande importância para a geopolítica contemporânea é conhecida como “lawfare”. O termo “lawfare” é uma combinação das palavras “law” (lei) e “warfare” (guerra), e se refere a uma estratégia na qual o sistema legal é empregado como uma ferramenta de guerra política (Zanin Martin; Teixeira, 2020). Essa tática envolve a exploração de questões legais e judiciais com o propósito de atingir metas políticas, desestabilizar adversários ou minar a legitimidade de governos ou líderes. Embora o termo tenha ganhado destaque nas últimas décadas, é importante notar que a prática em si não é nova e já foi observada em diferentes contextos históricos.
A "lawfare" opera por meio de um sistema judicial que ganha poder sobre os poderes legislativo e executivo, levando a um desequilíbrio de poder, com a aplicação seletiva da lei muitas vezes influenciada por considerações políticas, caracterizando-se como uma característica proeminente desse fenômeno5. Nesse contexto, a manipulação da opinião pública desempenha um papel importante na guerra jurídica, que busca desmoralizar e eliminar adversários políticos, predominantemente no âmbito da opinião pública, mesmo que isso envolva processos judiciais prolongados e custosos. Vale ressaltar que o "lawfare" não é direcionado exclusivamente contra a esquerda progressista, sendo usado contra uma variedade de líderes políticos na região, tornando-se uma batalha política de longo prazo que se desenrola no campo jurídico (Romano, 2019).
O mecanismo de atuação da “lawfare” envolve o uso indevido de processos legais, investigações judiciais, acusações criminais ou litígios civis com motivações políticas, visando prejudicar ou enfraquecer oponentes políticos. Isso pode incluir a instrumentalização de
5 Um dos muitos exemplos, é o do Presidente do TRF-4, juiz Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, que por ocasião da acusação contra Lula a respeito do processo do triplex do Guarujá, disse que a sentença de Moro era “irretocável, sendo que mais tarde reconheceu que não tivera tido acesso ao processo quando da fala (Magalhães, 2019, p. 42). Ou o diálogo entre o promotor Deltan Dallagnol e Sérgio Moro.
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instituições legais e judiciais para atingir objetivos políticos específicos, como desqualificar candidatos em eleições, minar a reputação de líderes ou partidos políticos e influenciar a opinião pública. Conforme Silvina Romano (2019, p. 19) afirma: “El lawfare (o guerra jurídica) puede ser definido como el uso indebido de herramientas jurídicas para la persecución política; la aplicación de la ley como un arma para destruir al adversario político por la vía judicial”.
É fundamental ressaltar que a “lawfare” vai além das ações legais legítimas, como investigações anticorrupção ou processos judiciais, abrangendo o uso abusivo e tendencioso desses mecanismos para fins políticos. Esse fenômeno não apenas compromete a integridade do sistema legal, mas também acarreta sérias implicações para a democracia e o Estado de Direito, minando a confiança nas instituições legais e judiciais e contribuindo para polarizações políticas e instabilidade.
Por outro lado, é observado que países poderosos, como os Estados Unidos, frequentemente utilizam a lei como uma ferramenta para impor uma ordem que favorece seus próprios interesses, às vezes recorrendo a métodos coercitivos. Isso fica evidente na maneira como esses países rotulam os sistemas legais de outras nações como “falhos” ou corruptos quando não se conformam aos seus padrões de legalidade. Em um contexto prático, o “lawfare” é empregado “de cima para baixo”, seja pelo Estado ou por grupos privilegiados, com o intuito de reorganizar o cenário político a seu favor.
Isso implica na aprovação de leis que restringem a escolha de candidatos e na perseguição de líderes da oposição. Consequentemente, observa-se uma transferência de poder das instituições representativas para as instituições judiciais, conduzindo a uma transição em direção à “juristocracia”. A “aristocracia” representa uma ameaça à democracia liberal procedimental, uma vez que suprime o canal representativo e deliberativo. Na América Latina, essa abordagem tem sido adotada para apoiar governos de direita e promover o neoliberalismo, ao mesmo tempo, em que obstrui projetos alternativos (Romano, 2019).
As manifestações que abalaram o Brasil em junho de 2013 marcaram um ponto de viragem na história do país, desencadeadas a princípio como reação ao aumento das tarifas de transporte público. No entanto, esses protestos logo se metamorfosearam em um movimento de massa com demandas diversas, destacando a notável capacidade de mobilização das redes
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sociais e da sociedade civil em larga escala. No cerne desses eventos, entretanto, existe uma complexa correlação com as estratégias das conhecidas "Revoluções Coloridas".
Estas tiveram início em junho de 2013, quando uma série de protestos eclodiu em todo o Brasil, motivados pelo reajuste das tarifas de transporte público no início do mês. Inicialmente modestos, esses protestos atraíram até cinco mil participantes até o dia 11 de junho. Contudo, em 13 de junho, um ponto de viragem crucial ocorreu quando a brutal repressão policial chocou o país, catapultando as manifestações à visibilidade nacional e atraindo milhares de participantes (Mendes De Souza, 2018).
Curiosamente, a repressão policial em São Paulo não conseguiu sufocar o movimento, mas, ao contrário, intensificou-o, marcando o início de uma era de polarização política no Brasil (Corrêa; Luedemann, 2023). No entanto, à medida que as manifestações evoluíram, começaram a abordar questões que transcenderam sua causa original relacionada às tarifas de transporte, incluindo melhorias nos sistemas de transporte urbano, investimentos em saúde e educação, bem como a oposição à realização da Copa do Mundo de Futebol (Corrêa; Luedemann, 2023). Essa rápida mutação nas dimensões e na natureza das manifestações levantou questionamentos pertinentes sobre a suposta espontaneidade desses eventos, um elemento- chave nas estratégias das chamadas “Revoluções Coloridas”. Conforme observa Mateus Mendes de Souza (2018), frequentemente o que pode inicialmente parecer um movimento espontâneo é, na realidade, resultado de uma elaborada planificação minuciosamente
orquestrada.
As manifestações iniciais de junho de 2013, lideradas por grupos de esquerda como o Movimento Passe Livre (MPL), a Assembleia Nacional dos Estudantes (ANEL) e coletivos anarquistas, rapidamente evoluíram para algo que pode ser descrito como uma “revolução colorida”, um movimento de protesto que, embora inicialmente espontâneo, foi apropriado por setores liberais e pela extrema-direita a partir de um amplo planejamento cuidadosamente elaborado, visando influenciar a política brasileira (Fernandes, 2022).
É importante ressaltar que o surgimento de organizações como o Movimento Brasil Livre (MBL), Vem Pra Rua e Revoltados Online, financiadas e inspiradas por figuras como Steve Bannon, ocorreu imediatamente após as manifestações iniciais. Inicialmente associados à insatisfação de setores da classe média e alta da sociedade, esses grupos rapidamente adotaram posturas mais radicais, inclusive apoiando a intervenção militar e lançando ataques ao Supremo Tribunal Federal (Corrêa; Luedemann, 2023).
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Em paralelo a esses acontecimentos, surgiram denúncias de espionagem dos Estados Unidos contra o governo de Dilma Rousseff e a Petrobras, com revelações surpreendentes de que a Petrobras estava sob vigilância por parte dos EUA (Corrêa; Luedemann, 2023). Essas acusações de espionagem estavam diretamente relacionadas às descobertas de petróleo na camada Pré-Sal, ao desenvolvimento de um submarino nuclear e à política desenvolvimentista do Brasil, que buscava uma maior autonomia em questões internacionais. A reativação da IV Frota dos EUA em 2008, uma frota naval que estava desativada desde os anos 50, estava intrinsecamente ligada a esses acontecimentos (Corrêa; Luedemann, 2023).
É inegável que existe uma relação clara entre as manifestações de junho de 2013 e as operações secretas dos Estados Unidos, reveladas por Edward Snowden6. Nesse período, o Brasil estava se aproximando de países como a Rússia por meio dos BRICS, o que atraiu a atenção e as ações da Guerra Híbrida dos EUA, com o objetivo de interromper projetos brasileiros e ganhar controle sobre as riquezas do Pré-Sal (Fernandes, 2022).
É interessante observar que, coincidentemente, antes do início das manifestações de junho de 2013, houve uma visita do vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ao Brasil em maio de 2013, trazendo consigo uma agenda que visava reforçar a participação dos EUA na indústria de energia sul-americana, com um foco particular no setor do pré-sal brasileiro7. Entretanto, a decisão da presidenta Rousseff de manter as regras existentes para a exploração do pré-sal frustrou as ambições dos Estados Unidos (Mendes De Souza, 2018).
Em suma, poucos dias após o vice-presidente dos Estados Unidos visitar o Brasil com o objetivo de defender os interesses das corporações estadunidenses sobre os hidrocarbonetos brasileiros, centenas de milhares de pessoas passaram a ocupar as ruas e só saíram quando a presidenta Dilma Rousseff foi destituída, ou seja, quando houve a mudança de regime (Mendes De Souza, 2018, p. 44).
A polarização política durante as manifestações de 2013 foi evidente, com a oposição ao governo incitando violência e destruição, enquanto setores de esquerda, partidos, sindicatos e articulações de estudantes buscavam uma abordagem mais pacífica (Corrêa; Luedemann,
6 O ex-técnico da CIA Edward Snowden, foi acusado de espionagem por vazar informações sigilosas de segurança dos Estados Unidos e revelar em detalhes alguns dos programas de vigilância que o país usou para espionar a população americana – utilizando servidores de empresas como Google, Apple e Facebook – e vários países da Europa e da América Latina, entre eles o Brasil, inclusive fazendo o monitoramento de conversas da presidente Dilma Rousseff com seus principais assessores (G1, 2014).
7 Com efeito, os impactos da exploração do Pré-Sal para a produção mundial de petróleo foram substâncias.
Passados 15 anos desde que começou a operar, o pré-sal responde por 78% da produção da Petrobras – e por mais de 1/3 da produção da América Latina – com 2,06 milhões de barris de óleo equivalente por dia produzidos no segundo trimestre deste ano (DIÁRIO DE PETRÓPOLIS, 2023).
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2023). Em meio a esses acontecimentos, o Grupo Globo, uma grande rede de mídia, esteve envolvido em todos esses processos, inclusive mostrando simpatia pelos protestos em 2013 (Fernandes, 2022).
Por fim, essas manifestações tiveram um impacto significativo na popularidade da presidenta Dilma Rousseff, levando a divisões internas entre o governo e as elites (Fernandes, 2022). Com efeito, cumpre destacar o papel determinante das manifestações de junho de 2013 para o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff:
Muitos autores cravam que o golpe no Brasil em 2016 tem início nas manifestações de junho de 2013. Laidler (2016) destaca três contribuições de 2013 para o golpe: a forma de representação foi questionada; as insatisfações diziam respeito a demandas locais, mas foram ampliadas de modo a abarcar todo o campo político; as bandeiras e os militantes dos partidos foram expulsos das manifestações. Mattos (2016) aponta o caráter antidemocrático das manifestações de 2013 e chama atenção para a popularização de palavras de ordem fascistas como “sem bandeiras partidárias” e “sem ideologia”. Singer (2018) aponta o ativismo de classe média que seria decisivo para a derrubada da presidenta Rousseff (2011-2016) (Mendes De Souza, 2018, p.44-45).
Portanto, ao analisar as manifestações de junho de 2013 no Brasil, torna-se evidente que elas foram instrumentalizadas na perspectiva estratégica de exercer uma influência que possibilitasse as táticas das chamadas “Revoluções Coloridas”. O fato de coincidirem com a visita do vice-presidente dos EUA, Joe Biden, e as revelações de espionagem por Edward Snowden ressalta a complexidade dessa correlação e sua importância histórica.
A estratégia de “lawfare”, com influência externa, tornou-se proeminente no Brasil recentemente, sendo evidenciada nos eventos-chave da política nacional, como o impeachment da ex-Presidente Dilma Rousseff, destituída sem fundamento em crime de responsabilidade, e na Operação Lava Jato8, que resultou na condenação do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
8 A polêmica Operação Lava Jato foi uma investigação conduzida pela Polícia Federal, iniciada em 2014, que visava apurar casos de corrupção, lavagem de dinheiro e outros crimes relacionados a empresas estatais, especialmente a Petrobras. O nome "Lava Jato" faz referência a postos de lavagem de carros, pois as primeiras descobertas envolviam uma rede de lavanderias que movimentava dinheiro ilegalmente. Revelações do site The Intercept Brasil em 2019, conhecidas como "Vaza Jato", expuseram conversas privadas entre procuradores da força-tarefa da Lava Jato, levantando fundadas preocupações sobre a ética, a imparcialidade e a legalidade da operação (ALVARENGA, 2022). Deverás, vazamentos seletivos de informações para a imprensa, falta de imparcialidade por parte dos investigadores e questionamentos sobre a legalidade de certos métodos utilizados,
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retirando-o da corrida presidencial de 2018. Esses casos representam exemplos marcantes de “lawfare” que impactaram a política brasileira, facilitando a ascensão de forças de extrema- direita, exemplificada por Jair Bolsonaro (Back; Teles, 2022; Silva, 2022).
O processo de impeachment contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, ocorrido em 2016, foi um marco na história política brasileira que despertou a atenção de estudiosos e observadores atentos aos eventos que levaram à destituição de um chefe de estado democraticamente eleito. Nesse contexto, diversos fatores influenciaram esse processo, sendo a influência externa através da “lawfare” um dos elementos cruciais para entendermos os acontecimentos que se desenrolaram.
Um dos principais argumentos que sustentam a influência externa na trama do impeachment envolve os interesses de setores da burguesia estrangeira. De acordo com Domingos Sávio Corrêa e Marta da Silveira Luedemann (2023), o afastamento de Dilma Rousseff em maio de 2016 foi articulado para atender a interesses relacionados ao petróleo, obras de infraestrutura e estaleiros, com destaque para o submarino movido a energia nuclear. Esses interesses, segundo os autores, eram em grande parte oriundos de setores da burguesia estrangeira.
José Serra, figura-chave nesse processo, é mencionado como representante dos interesses da Chevron, uma gigante do setor de energia. Conforme Corrêa e Luedemann (2023), o então senador paulista, derrotado nas eleições presidenciais por Lula e Dilma, teria estabelecido vínculos estreitos com a Chevron, conforme revelado por diversas fontes da imprensa. Segundo o WikiLeaks9, ele teria prometido à Chevron que, caso vencesse as eleições em 2010, defenderia os interesses da empresa no pré-sal. A posterior articulação com a petroleira estadunidense para reverter o regime de partilha do pré-sal é apontada como um passo importante na mudança de regime necessária para beneficiar as corporações petroleiras estrangeiras (Mendes De Souza, 2018).
bem como as suspeitas de interferências externas e seu uso político e midiático, resultaram em debates e críticas intensas à operação.
9 O WikiLeaks é uma organização de mídia multinacional e biblioteca associada, sem fins lucrativos, fundada pelo australiano Julian Assange, em 2006. A entidade é responsável pela análise e publicação de documentos confidenciais, como imagens e outros materiais envolvendo governos e empresas. Os assuntos principais abrangem registros de guerras, espionagem e corrupção (Oliveira, 2016).
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Outro elemento relevante é a conexão entre a política externa brasileira e o impeachment. Rubens Barbosa, que desempenhou um papel fundamental na formulação do programa de política externa de Aécio Neves, candidato do PSDB à Presidência em 2014, estava vinculado ao Albright Stonebridge Group, um think tank liderado por Madeleine Albright, ex-chefe da diplomacia dos Estados Unidos. Aloysio Nunes Ferreira, senador pelo PSDB-SP e candidato a vice-presidente na chapa de Aécio Neves, teve encontros importantes com lobistas estadunidenses durante a semana da aprovação do impeachment pela Câmara dos Deputados, além de se encontrar com figuras-chave do governo dos EUA (Mendes De Souza, 2018).
Essa influência externa não se limitou apenas à economia. A mudança de regime no Brasil também teve implicações na política externa brasileira (PEB). A postura adotada pelo governo pós-impeachment se distanciou do legado diplomático do país e gerou tensões com vizinhos e parceiros históricos, como Venezuela e Uruguai, comprometendo a atuação do Brasil nos BRICS (Mendes De Souza, 2018).
Além disso, o impeachment de Dilma Rousseff teve sérios impactos sociais e políticos, com a implementação de medidas neoliberais, como a Emenda Constitucional 95, que congelou gastos públicos por vinte anos, e a reforma trabalhista, que diminuiu direitos dos trabalhadores. Essas ações foram justificadas como necessárias para a redefinição do papel do Brasil na economia política mundial, mas também tiveram um impacto significativo na qualidade de vida da classe trabalhadora brasileira (Mendes De Souza, 2018).
A narrativa construída pela grande mídia desempenhou um papel fundamental na legitimação do impeachment, transformando a governante petista em uma inimiga pública e reforçando a ideia de um estado de necessidade decorrente da emergência anticorrupção (Silva Filho; Fernandes, 2022).
Em suma, o impeachment de Dilma Rousseff foi permeado por influências externas, interesses econômicos estrangeiros e uma narrativa construída pela mídia. Esses fatores contribuíram para um processo político conturbado que teve impactos significativos não apenas na política brasileira, mas também na economia, na diplomacia e na sociedade como um todo. O impeachment de Dilma Rousseff, portanto, representa um exemplo emblemático de como a “lawfare” e a influência externa podem ser utilizadas para moldar o destino de uma nação.
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A Operação Lava Jato, que se iniciou como uma investigação sobre corrupção na Petrobras em 2014, logo se transformou em um evento político que abalou o Brasil. A influência externa e o uso de “lawfare” foram aspectos fundamentais desse processo, conforme apontado por diversos estudiosos.
Corrêa e Luedemann (2023) destacam que a Lava Jato se mostrou seletiva desde o princípio, concentrando-se principalmente em denúncias contra políticos ligados aos governos de Lula e Dilma, enquanto casos envolvendo políticos de direita e centro-direita foram muitas vezes desconsiderados. Além disso, a operação teve um impacto direto nas empresas nacionais, favorecendo empresas estrangeiras do setor e levando à judicialização da política.
Um dos protagonistas desse processo foi o juiz Sérgio Moro, que recebeu treinamento dos Estados Unidos, como apontado por Mendes de Souza (2018). Moro desempenhou um papel fundamental na aplicação da “lawfare” contra o Partido dos Trabalhadores (PT) e na desidratação da liderança do partido na sociedade brasileira. Sua nomeação como Ministro da Justiça por Jair Bolsonaro, um candidato alinhado aos interesses norte-americanos, evidenciou sua relação com o projeto golpista.
A cooperação entre a 13ª Vara Federal de Curitiba, sob a responsabilidade de Moro, e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ) também foi um elemento central. Desde o governo Bush, os EUA buscavam cooptar o sistema judiciário brasileiro, financiando programas de treinamento para juízes brasileiros. O “Projeto Pontes” foi um desses programas, ensinando técnicas jurídicas americanas, incluindo as delações premiadas (Fernandes, 2022).
A “Lei anticorrupção” de 2013, fortemente influenciada pelos EUA, abriu portas para a atuação conjunta do DoJ (Departamento de Justiça Norte Americano) e da Lava Jato, levando a investigações contra empreiteiras brasileiras e pressionando-as a colaborar com a justiça americana. A Odebrecht, por exemplo, foi indiciada nos EUA, o que forneceu informações cruciais para a Lava Jato no Brasil (Fernandes, 2022).
Outro ponto crítico foi a quebra do sigilo da conversa entre Dilma e Lula, realizada por Moro. Esse episódio teve motivações políticas claras, visando impedir que Lula se tornasse ministro e ganhasse foro privilegiado:
O viés político do juiz emergiu frondosamente no episódio da quebra do sigilo da conversa da Presidenta Dilma Rousseff com a Presidente Lula, na qual tratavam de detalhes da sua nomeação para um ministério. O que pareceu um ato tresloucado de Moro, foi uma ação premeditada para impedir que Lula se tornasse ministro e, como consequência, ganhasse a prerrogativa de foro que
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obrigaria que todos os seus processos migrassem das mãos do juiz Moro para o Supremo Tribunal Federal. Moro foi capaz de praticar uma absurda ilegalidade para manter a competência de processar e julgar aquele réu (Rocha, 2022, p. 784).
A mídia desempenhou um papel significativo nesse cenário. O Grupo Globo, envolvido em casos de corrupção e investigações do governo americano, mudou sua postura em relação às manifestações de 2013 e à Lava Jato, passando a apoiá-las. Isso incluiu vazamentos de informações sigilosas das investigações para a imprensa, como observado por Fernandes (2022). Com efeito, a mídia desempenhou um papel crucial em construir a narrativa de combate à corrupção, contribuindo para a criminalização do PT e a queda de Dilma Rousseff. Os defensores do “lawfare” na condução das operações Lava Jato sustentam o uso indevido dos meios de comunicação, denominado de “trial by media” (julgamento pela mídia) para reforçar a necessidade de condução desses processos pelo clamor popular no senso de que valeria tudo para se alcançar a condenação penal (Fernandes, 2020).
A estratégia de “lawfare” não se limitou apenas aos desdobramentos da Operação Lava Jato em instâncias inferiores. Ela também deixou sua marca no Supremo Tribunal Federal (STF), o mais alto tribunal do Brasil, onde importantes decisões políticas foram tomadas sob a roupagem da legalidade. O STF, como guardião da Constituição e da justiça no país, viu-se envolvido em diversas situações em que o “lawfare” se fez presente.
Um exemplo notável dessa dinâmica foi a questão da nomeação de Wellington Moreira Franco como ministro da Secretária-geral da Presidência, com direito a foro privilegiado. Conforme destacado na reportagem “Por Que o STF impediu Lula e autorizou Moreira Franco como ministro” (2017), essa questão foi debatida no plenário do STF, diferentemente da decisão monocrática anterior do ministro Gilmar Mendes, que vetou a nomeação de Luiz Inácio Lula da Silva como ministro do Governo Dilma Rousseff. A contraposição entre essas decisões reflete a complexidade e os aspectos políticos que permearam muitas das deliberações do STF. Moreira Franco obteve a manutenção de seu foro privilegiado por meio dessa discussão no plenário do tribunal (Por Que..., 2017).
Outro exemplo significativo foi a mudança da orientação do STF em relação à prisão em segundo grau, que permitiu a prisão de acusados cuja sentença condenatória fosse confirmada em segunda instância. Essa mudança, apresentada ao público como uma exigência da “nação” no combate à corrupção, teve um impacto profundo na Operação Lava Jato e autorizou a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa decisão, como destacado por Rocha (2022), corroborou plenamente o viés político que permeou a Operação Lava Jato
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em todas as instâncias do Judiciário. A prisão de Lula, um dos líderes políticos mais influentes do país, levantou questões sobre a imparcialidade das decisões judiciais e reforçou a percepção de que o “lawfare” estava sendo usado como uma ferramenta para influenciar o cenário político. O Supremo Tribunal Federal, como parte fundamental do sistema judicial brasileiro,
desempenhou um papel crucial na implementação da estratégia de “lawfare”. Decisões políticas, como a questão do foro privilegiado e a prisão em segundo grau, tornaram-se marcantes na história recente do país e levantaram questionamentos sobre a independência do Judiciário e sua capacidade de agir de forma imparcial. O STF, em muitos casos, foi palco de disputas políticas disfarçadas de questões jurídicas, revelando a complexa interseção entre o sistema de justiça e a política no Brasil. A “lawfare”, nesse contexto, tornou-se não apenas uma estratégia legal, mas também uma poderosa ferramenta de influência política nas mãos das autoridades judiciais.
Pelo exposto, constata-se que a Operação Lava-Jato transcendeu as fronteiras de uma simples investigação interna e revelou-se como um intrincado jogo de influências e interesses externos, notadamente dos Estados Unidos. A seletividade das ações, a colaboração internacional, o protagonismo da mídia e os excessos no âmbito judicial foram fatores fundamentais nessa trama política. Como destacado por José Carlos Moreira da Silva Filho e Lia Raquel Sousa Rabelo Fernandes (2022), o processo de “lawfare” que teve início com o impeachment de Dilma Rousseff aprofundou-se com a Operação Lava-Jato, culminando na prisão e condenação de Luiz Inácio Lula da Silva, afastando-o da corrida presidencial de 2018. Fica claro que o objetivo principal não era apenas o combate à corrupção10, mas também a eliminação de obstáculos políticos e legais para promover uma agenda neoliberal que beneficiou grandes grupos econômicos, ampliando a desigualdade social e causando danos profundos à sociedade brasileira. Esse cenário político pavimentou o caminho para a eleição de Jair Bolsonaro, consolidando a dimensão internacional da “lawfare” no Brasil.
10 Posteriormente foram reveladas gravações onde o Promotor do processo (Deltan Dallagnol) e o Juiz responsável (Sérgio Moro) combinavam os movimentos visando instrumentalizar o processo em curso. Além disso, um dos primeiros nomes anunciados como ministro do governo Bolsonaro foi justamente o juiz que impediu a candidatura de Lula, que estava em primeiro lugar nas pesquisas.
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Os eventos que culminaram na ascensão de Jair Bolsonaro à presidência do Brasil e a subsequente tentativa de golpe em janeiro de 2023 estão intrinsecamente ligados aos capítulos anteriores sobre as manifestações de junho de 2013 e a influência externa por meio da “lawfare”. O governo de Bolsonaro representa um desdobramento significativo da complexa correlação entre estratégias geopolíticas e o cenário político brasileiro.
A eleição de Jair Bolsonaro em 2018 marcou a ascensão da ultradireita no Brasil. Seu governo foi caracterizado por uma retórica agressiva, uma abordagem nacionalista e uma política externa que enfatizou relações bilaterais, especialmente com os Estados Unidos. Isso representou uma mudança significativa na geopolítica brasileira, que era mais multilateral durante os governos progressistas anteriores.
Ainda como deputado, Bolsonaro já deixava explícita sua posição em relação a um projeto de imposição de um governo pela violência. Em 1999, afirmou que
Através do voto você não vai mudar nada nesse país. Nada, absolutamente nada. Só vai mudar, infelizmente, no dia [em que] o Brasil nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro. E fazendo um trabalho que o regime militar não fez, matando uns 3 mil, começando com FHC” (Magalhães, 2019, p. 64).
A influência externa, destacada nos capítulos anteriores, desempenhou um papel significativo na criação do ambiente político favorável a Bolsonaro. A Operação Lava Jato, liderada pelo juiz Sérgio Moro e apoiada por figuras políticas com conexões estrangeiras, enfraqueceu as forças políticas tradicionais, incluindo o Partido dos Trabalhadores (PT), criando um vácuo de poder que Bolsonaro estava disposto a preencher. Além disso, a postura agressiva dos Estados Unidos em relação ao Brasil, especialmente em questões comerciais e de segurança, alimentou o sentimento nacionalista que Bolsonaro explorou em sua campanha (Fernandes, 2022).
A relação próxima entre Bolsonaro e os Estados Unidos se tornou evidente desde o início de seu governo. O alinhamento com a administração Trump e a busca por parcerias econômicas e militares estreitas consolidaram ainda mais essa conexão. A presença de figuras como Steve Bannon11, que desempenhou um papel importante na estratégia de campanha de Bolsonaro, também sublinhou a influência externa na política brasileira.
11 Steve Bannon é um ideólogo da nova direita radical populista e foi o principal estrategista do ex-presidente americano Donald Trump. Ex-banqueiro, ficou conhecido por ser o diretor executivo de Breibart News, a web referência da ultradireita antiestablishment nos Estados Unidos, a partir de onde se impulsionou a criação do Teoria & Pesquisa: Revista de Ciência Política, São Carlos, v. 33, n. 00, e024010, 2024. e-ISSN: 2236-0107. DOI: https://doi.org/10.14244/tp.v33i00.1088 19
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Outro aspecto fundamental da ascensão de Bolsonaro foi o uso habilidoso das mídias sociais. Assim como as manifestações de 2013 foram impulsionadas pelas redes sociais, a campanha de Bolsonaro soube explorar, a partir de orientações norte-americanas, essas plataformas para construir uma base de apoio fervorosa. Sua estratégia incluiu a disseminação de informações falsas (fake news), um discurso anti-política buscando se constituir enquanto o candidato “anti-sistema” e a criação de narrativas que se alinhavam com suas posições políticas. O uso das mídias sociais permitiu a Bolsonaro criar uma conexão direta com seus eleitores, evitando o filtro da mídia tradicional. Isso o tornou capaz de amplificar mensagens populistas, alimentar teorias da conspiração e desacreditar adversários políticos. O fenômeno das “fake news” desempenhou um papel crucial, contribuindo para a polarização e o clima de
desconfiança nas instituições democráticas.
As eleições presidenciais de 2022 refletiram o auge da polarização política no Brasil. De um lado, o governo de ultradireita liderado por Jair Bolsonaro, respaldado por interesses externos, valendo-se do abuso de poder político e econômico12, bem como do emprego indevido das estruturas estatais13, como Polícia Federal (PF) e Polícia Rodoviária Federal (PRF), para interferir no processo eleitoral e assegurar sua permanência no poder; de outro a proposta de retomada de um projeto de governo de viés social, representado por Luiz Inácio Lula da Silva,
movimento Alt-right (direita alternativa, um eufemismo para nomear a supremacia branca), e que o catapultou para ser o chefe de campanha de Trump, e posteriormente o homem forte da Casa Branca (EX-ASSESSOR…, 2022).
12 Jair Bolsonaro foi condenado e declarado inelegível pelo período de 8 anos pelo Tribunal Superior Eleitoral em dois processos. O primeiro ocorreu em junho de 2023, quando foi reconhecida a prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Esse episódio ocorreu durante uma reunião realizada em 18 de julho de 2022 no Palácio da Alvorada, na qual o ex-presidente atacou o sistema eleitoral, incitando seu eleitorado e outros indecisos contra o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas (TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL [TST], 2023a) .O segundo processo teve desfecho em outubro de 2023, e nele foi reconhecida a prática de abuso de poder político e econômico. Essa condenação relaciona-se às comemorações do Bicentenário da Independência, ocorridas em 7 de setembro de 2022. Em ambas as situações, as decisões do TSE destacam condutas que violaram as normas eleitorais, resultando na inelegibilidade de Bolsonaro por um período de oito anos (TSE, 2023b).
13 Um caso emblemático que ilustra o uso indevido das estruturas estatais durante a eleição de 2022, atualmente
sob investigação do Ministério Público Federal (MPF), ocorreu em 30 de outubro de 2022. Nessa data, segundo turno das eleições presidenciais, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) realizou diversas blitz, principalmente em cidades da Região Nordeste, onde o então candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) detinha vantagem sobre o então presidente Jair Bolsonaro (PL) nas pesquisas de intenção de voto. No dia anterior ao segundo turno das eleições, o ex-diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, havia declarado publicamente seu voto para o ex-presidente Jair Bolsonaro em suas redes sociais (BBC News, 2023).
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A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2022, após a derrota de Bolsonaro nas urnas, gerou uma série de tensões políticas no Brasil. O governo de Bolsonaro e seus apoiadores, ainda influentes em setores militares e policiais, questionaram a legitimidade das eleições e promoveram teorias da conspiração sobre fraudes eleitorais.
Em janeiro de 2023, o Brasil enfrentou uma tentativa de golpe que refletiu a intensa polarização política que havia se acumulado ao longo dos anos. Essa tentativa de golpe revelou as fissuras profundas na sociedade brasileira e a vulnerabilidade das instituições democráticas diante da polarização política e da desinformação. Além disso, ressaltou a importância de se compreender os efeitos da guerra híbrida e da influência externa na geopolítica do Brasil, que contribuíram para a criação do contexto propício para eventos tão dramáticos.
Com efeito, a tentativa de golpe de Estado, ocorrida em 8 de janeiro, constituiu-se em uma nova fase da guerra híbrida que se desdobrou no Brasil, aprofundando as tensões políticas e sociais que já vinham se acumulando ao longo dos anos. Este evento, que resultou na depredação das sedes dos três poderes em Brasília e na prisão de cerca de 1,4 mil pessoas, marca um ponto crítico na geopolítica brasileira e nas estratégias de guerra híbrida implementadas no país (Carvalho; Eufrásio, 2023).
As investigações iniciais apontam para a participação de militares na preparação dessa tentativa de golpe, que foi meticulosamente planejado durante semanas e contou com o apoio substancial de políticos e empresários. Vale destacar que várias pessoas ligadas a Jair Bolsonaro estão sob suspeita de envolvimento no planejamento dos atos antidemocráticos, incluindo a descoberta de uma minuta que sugeria a instauração do Estado de Defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o que poderia afetar o resultado das eleições de 2022. O Ministério Público denunciou 653 pessoas envolvidas nos distúrbios de 8 de janeiro por associação criminosa e incitação à animosidade entre as Forças Armadas e os poderes Constitucionais (Strikland; Malcher, 2023).
A análise do papel dos militares é fundamental na discussão sobre a guerra híbrida no Brasil. O governo Bolsonaro teve diferentes significados, dentre eles um governo das FFAA,
14 Lula teve todas as suas indevidas condenações anuladas pelo Supremo Tribunal Federal, baseando-se em dois entendimentos cruciais da corte: o reconhecimento da parcialidade do juiz Sérgio Moro, comprometendo o direito à defesa e um julgamento justo, e a constatação de que os casos tramitaram fora da jurisdição correta; essa decisão teve papel preponderante para compreensão da prática de “lawfare” no Brasil e para o restabelecimento da confiança nas instituições democráticas do país.
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que tentaram instrumentalizar sua volta ao poder em meio ao Bolsonarismo e obtiveram bastante sucesso em frear políticas que consideravam hostis (como a Comissão Nacional da Verdade), retomaram uma aproximação com o Estado (incluindo ameaçadores tentáculos nos órgãos de inteligência) e ampliaram seus privilégios. As conexões entre os militares e o processo que leva à 2016-2018 (incluindo uma intervenção federal no Rio de Janeiro), são evidentes. Há estudos, também, destacando a relação entre as missões de paz, sobretudo a MINUSTAH, com a ascensão dos militares sob Bolsonaro em 2018. O Haiti foi um laboratório em matéria de gestão, assim como a intervenção no Rio, chefiada à época, não por acaso, pelo futuro ministro e vice de Bolsonaro (na chapa de 2022), General Braga Neto.
Quando a intervenção federal no Rio de Janeiro (2018), comandada por Braga Netto, ele afirmou que o Rio seria um “laboratório para o Brasil” (Magalhães, p. 67). Após oito homens terem sido assassinados por policiais e militares do Exército sem explicação convincente (diversos outros casos similares ocorreram posteriormente), a organização Human Rights Watch denunciou Braga Netto (candidato a vice de Bolsonaro em 2022) por obstrução das investigações e por desrespeito às autoridades civis (Magalhães, 2019, p. 67). No mesmo contexto, o então comandante do Exército, Villas Bôas, defendeu que os militares teriam de ter “garantia para agir sem o risco de uma nova Comissão da Verdade” (Magalhães, 2019, p. 55). De fato, a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 representou uma escalada na guerra híbrida implementada no Brasil, com sérias implicações para a estabilidade política e democrática do país. As investigações continuam em curso, à medida que as autoridades buscam responsabilizar aqueles envolvidos nos atos golpistas e na tentativa de subverter a democracia brasileira. Esse evento, juntamente com os capítulos anteriores da guerra híbrida,
moldou de maneira significativa a geopolítica do Brasil durante esse período conturbado.
Neste artigo, concluímos que as teorias das guerras híbridas e da “lawfare” são muito frutíferas para analisar eventos marcantes, como as manifestações de junho de 2013, o impeachment de Dilma Rousseff e a ascensão da ultradireita durante o governo de Jair Bolsonaro, ficando evidente a utilização destas estratégias no cenário político brasileiro.
A mudança na abordagem geopolítica do Brasil, passando de uma perspectiva multilateral para uma abordagem bilateral sob a liderança de Bolsonaro, destaca a importância dessas teorias na compreensão das transformações políticas e geopolíticas em curso no país.
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Com efeito, a alteração na política externa brasileira após o golpe de 2016 teve implicações significativas, afetando alianças internacionais, como os BRICS, enquanto o realinhamento com os Estados Unidos e a adoção de uma agenda neoliberal se tornaram evidentes.
Nesse contexto, é fundamental ressaltar os prejudiciais danos causados ao Estado-alvo como resultado da implementação da estratégia de guerra híbrida, uma forma de influência externa que opera minando as instituições democráticas, agravando a polarização política e abalando a confiança no sistema político. O Brasil, que tem sido vítima dessa estratégia geopolítica obscura, enfrenta atualmente o desafio crítico de reconstruir sua coesão social e fortalecer suas instituições democráticas. Uma compreensão profunda dessas raízes é essencial para promover a estabilidade política e preservar os princípios democráticos no país.
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Guerras híbridas, lawfare e o panorama político brasileiro: uma análise das manifestações de junho de 2013 ao governo de Jair Bolsonaro
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