Osmir DOMBROWSKI
Teoria & Pesquisa: Revista de Ciência Política, São Carlos, v. 33, n. 00, e024005, 2024. e-ISSN: 2236-0107
DOI: https://doi.org/10.14244/tp.v33i00.1059 5
interferência da razão humana. Nessa teoria, a história é apenas o registro da intervenção divina
nas coisas terrenas. Para Maistre, quando os homens acreditam que estão agindo livremente,
nada mais fazem do que desempenhar o papel que lhes foi reservado pelo autor de toda a
história, até mesmo quando pretendem agir em sentido contrário a ele. E a própria Revolução
Francesa, um fenômeno sob todos os aspectos novo e inusitado, não poderia escapar desse
roteiro, mas apenas confirmá-lo inteiramente. O que mais impressiona na Revolução Francesa,
diz Maistre (2010, p. 93), “é a força arrebatadora que faz curvar todos os obstáculos”; tão
poderosa que “ninguém contraria a sua marcha impunemente”. Isto se dá não porque a
revolução seja obra de grandes homens, filósofos ou soldados, mas porque é o modo pelo qual
a divindade se mostra aos homens; “não são os homens que conduzem a revolução, é a
revolução que emprega os homens”, afirma o magistrado (Maistre, 2010, p. 98).
Não se tire disso, todavia, conclusões apressadas. O caráter divino da Revolução
anunciado por Maistre não a torna uma coisa boa. Aos olhos do saboiano, mesmo sendo obra
da providência, a Revolução continua apresentando um “caráter satânico, que a distingue de
tudo o que já se viu” (Maistre, 2010, p. 157). A Revolução é um “acontecimento único na
história” porque é “radicalmente má; nenhum elemento de bem aí alivia o olhar do observador:
é o mais alto grau de corrupção conhecido; é a pura impureza.” (Maistre, 2010, p. 151). Não
obstante, novamente em aparente contradição, de acordo com Maistre, ela é “simultaneamente
um terrível castigo para os franceses e o único meio de salvar a França.” (Maistre, 2010, p.
112).
Na análise de Maistre, a Revolução castiga os franceses para recuperar a cristandade na
Europa. A França estava à “cabeça do sistema religioso” e no lugar de exercer uma “verdadeira
magistratura” sobre toda a Europa, ela contradisse sua vocação contribuindo, desse modo, para
a desmoralização do continente. O castigo é apenas um meio providencial de chamá-la de “volta
à sua missão”, e todos aqueles que com atos, palavras ou pensamentos, de alguma forma
contribuíram para “afastar o povo da sua crença religiosa”, todos os que agiram contra “as leis
da propriedade” e os que aprovaram o uso de “medidas violentas contra o rei”, serão justamente
castigados (Maistre, 2010, p. 99-100). Entre os que serão punidos Maistre identifica,
obviamente, os ideólogos do iluminismo, mas também os adeptos da Reforma Protestante e
todos os nobres, clérigos ou plebeus que estando em condições de se opor a esses crimes, foram
permissivos e não o fizeram.
Na análise histórica de Maistre, os jacobinos e o Terror implantado pelo Comitê de
Salvação Pública apenas cumpriram um papel que lhes havia sido reservado pela providência: