Resenha: o populismo reacionário no Brasil: projeto tradicionalista ou ambivalência da modernidade política?
Teoria & Pesquisa: Revista de Ciência Política, São Carlos, v. 33, n. 00, e024006, 2024. e-ISSN: 2236-0107
DOI: https://doi.org/10.14244/tp.v33i00.1044 12
reacionário do populismo seria uma abordagem detalhada dos setores católicos e protestantes e
de suas grandes lideranças, isto é, a importância do cristofascimo (Py, 2020; 2021), pois foi
elemento decisivo para a reprodução e legitimação do bolsonarismo como projeto de poder.
O dilema do parasita caracteriza, em minha leitura, uma ambiguidade no texto que,
levada ao limite, torna-se um fator para questionar a própria autenticidade do bolsonarismo
como movimento reacionário. Explico melhor. Se o reacionarismo possui base autenticamente
tradicionalista e uma utopia regressiva como ideologia, que recusa convictamente a
modernidade, suas instituições, valores e imaginários, o dilema do parasita, quando coloca em
suspeição a real intenção de Bolsonaro em destruir a democracia, me faz questionar se o
bolsonarismo é um autêntico movimento reacionário ou significa um movimento autoritário,
moderno e autocrático, que tem como fim utilizar a retórica tradicionalista, com suas vantagens
e privilégios decorrentes, através de um projeto familiar e pessoal de poder.
Como traço constitutivo, a modernidade política possui a bipolaridade entre autocracia
e democracia (Ahler; Stichweht, 2019), que é elemento central para a caracterização do
populismo reacionário como gramática política moderna. Como a efetiva oposição do
bolsonarismo é com a democracia, e não um projeto concreto de oposição radical à
modernidade (Teitelbaum, 2020), o reacionarismo de base culturalista, bem como a relação
estreita com lideranças religiosas fundamentalistas, configuram uma dualidade estrutural do
populismo reacionário, isto é, uma superfície, representada pelo discurso tradicionalista, que
tem como fim destruir os elementos centrais do imaginário e das instituições da modernidade
política. Na essência, contudo, há o interesse de parasitar a democracia por meio da exploração
da bipolaridade da modernidade política, potencializando o lado autocrático, para, dentro dela,
retirar as maiores vantagens possíveis. Precisamente, se a racionalidade política é traço central
das ações de Bolsonaro (Nobre, 2020), o populismo reacionário no Brasil seria marcado pela
conveniência utilitária racional (Domingues, 2021). Como outros autocratas como Alberto
Fujimori, Hugo Chávez e Donald Trump, o objetivo de Bolsonaro era subverter a democracia
por dentro (Levitisky; Ziblat, 2018). Assim, acredito que o bolsonarismo seja melhor
caracterizado como “populismo autocrático”, pois a categoria sustentaria sua novidade e
radicalidade, bem como o demarcaria, apesar dos elementos reacionários que o compõem, como
movimento representativo da bipolaridade da modernidade política, e não um autêntico
movimento reacionário que, do ponto de vista das ideias e práticas políticas, tem como fim
destruir a modernidade política.