João Rafael Gualberto de Souza MORAIS
Teoria & Pesquisa: Revista de Ciência Política, São Carlos, v. 32, n. esp. 2, e023014, 2023. e-ISSN: 2236-0107
DOI: https://doi.org/10.14244/tp.v32iesp.2.1003 13
Imbuídos dessa ideologia, os militares conseguiram conter transformações substanciais
nos OSP. A militarização das polícias é o ponto crítico desse legado, que as estabelece como
organizações paramilitares à disposição do poder executivo dos estados e, ao mesmo tempo (e
em última instância), sujeitas ao controle disciplinar e hierárquico do Exército. Isso criou uma
confusão sobre a subordinação dessas forças. Em última análise, como reservas imediatas do
Exército, conforme prescreve o artigo 144, elas são uma extensão direta da força militar federal.
Salvo raras exceções como a UNE e alguns constituintes como José Genoíno e Márcio
Thomas Bastos, a constituição do sistema de Segurança Pública não era matéria de interesse
popular. As discussões ficaram, por isso, restritas às instituições específicas dos OSP. Ainda
que, paralelamente ao lobby pela militarização, alguns delegados tenham defendido uma polícia
civil única e de carreira, no anteprojeto do texto, cedendo a pressões da ala militar, os
representantes da Polícia Civil acabaram aceitando uma solução de meio-termo, com duas
polícias, sendo a PM destinada ao patrulhamento ostensivo, num claro esvaziamento das
prerrogativas da Polícia Civil (ZAVERUCHA, 2010; SOARES, 2019).
Disso, resultou uma Carta muito próxima à de 1967, cujo Decreto-Lei nº 317
reorganizara as polícias com a criação da Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM),
vinculada ao Exército e comandada por um General de Brigada. Preservada essa arquitetura
durante a Constituinte, as polícias militares seguiram institucionalizadas como extensões do
Exército (artigo 144, parágrafo 6º) e seu ethos está informado pelo Decreto n. 88.777, de 1983,
extensão de outros dois anteriores, de 1969 e 1975 (LENTZ, 2021b, p. 49). Embora o controle
executivo das polícias tenha sido retirado do Exército na Constituição de 1988, “elas
permaneceram como forças auxiliares e reservas [...] e mantiveram as características militares.
Tornavam-se novamente pequenos exércitos que às vezes escapam ao controle dos
governadores” (CARVALHO, 2008, p. 213), pois o veto dos militares à nomeação dos
comandantes pelas autoridades civis (os governadores) foi mantido após 1988. Ainda:
Para completar o processo de incorporação, essas polícias assumiram a
finalidade do policiamento ostensivo e preventivo territorial, internalizando
em seus regulamentos e no estatuto militar sua destinação para a segurança e
defesa interna, nos termos da doutrina de segurança nacional, inclusive com
seu serviço de inteligência integrado ao serviço de inteligência do Exército
(LENTZ, 2021b, p. 49, grifos no original).
Seguindo esse fio, o artigo 142, que, junto com o 144, constitui o principal enclave
autoritário no texto, diz que as Forças Armadas “destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos
poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.